quinta-feira, 24 de setembro de 2009

diálogo [de caio fernando abreu]

[...]

– Podia esperar de qualquer um essa fuga, esse fechamento. Mas não em você, se sempre foram de ternura nossos encontros e mesmo nossos desencontros não pesavam, e se lúcidos nos reconhecíamos precários, carentes, incompletos. Meras tentativas, nós. Mas doces. Por que então assim tão de repente e duro, por quê?

    Uma pedra. Igual a si mesma, como só o são as naturezas inertes. As pessoas escorregam e, se num momento foram, no seguinte já não mais o são; a possibilidade de ser se reduz, contrai, escapa, ou num repente aumenta para explodir inesperada. As coisas se afirmam nelas mesmas em cada segundo de cada minuto. E em cada segundo futuro, serão ainda elas mesmas, sem se acrescentarem ou diminuírem. Para sempre, uma pedra será uma pedra. E por que então, enfim, esta palidez minha? Por que a encarava e pensava, e a constatava em sua permanência despida de mistérios e, no entanto, hesitava? Deveria compreendê-la no passar de olhos e ir adiante sem esperar. Contudo, esperava. De uma pedra – o quê? Se me machucava por dentro e quase tombava, meio aniquilado, impossível prosseguir. Derramar de ternura do vazio de minhas mãos, meus olhos quase verdes de tanto amor recusado, emoções informuladas pelo silencia de noturna precisão – tudo convergindo para a pedra. Uma fatalidade, o inumano atingir o humano assim, de brusco? A nudez de meus pés devassava o frio. O vidro do rio, a lâmina do vento, a morte do sol. E a pedra. Inatingível.


– Compreenda, eu só preciso falar com você. Não importam as palavras, os gestos, não importa mesmo se você continua a fugir e se empareda assim, se olha para longe e não me ouve nem me vê ou sente. Eu só quero falar com você, escute.

    Inatingível. Escorregava em torno dela, percorrendo consciente uma trajetória de impossível. Em torno da pedra um círculo de repulsão que me jogava longe no momento da aproximação de seu centro. Cansaço pesando sobre mim, baixei a cabeça. [...] Pelos descaminhos, meu rumo se perdia, eu tornava a buscar, recomeçava – e novamente errava, e novamente insistia, Túrgido de ternura, me encarei. E baixei a cabeça de vergonha. A pedra prescindia de mim. Eu, que me projetava num tempo desconhecido, prescindir de tudo e, impotente, me projetava na pedra, lúcido de que não seria jamais o que ela estava sendo. Eu que não conseguiria alcançar o que ela alcançara e para sempre me perderei entre as pessoas, vagando sem encontrar, sem saber sequer o que busco, o que buscarei. A pedra me agredindo com seu ser completo.



caio fernando de abreu | inventário do ir-remediável | do amor

3 comentários:

  1. Uai. Tá gostando mesmo, hein?

    Passarinho verde me apresentou uma banda muito boa que se chama Do Amor. Conhece? Interações...

    Tô matando as saudades do Caio aqui. Faz tempo que não lia nada dele.

    Chegou a ver algum episódio de Queridos Amigos. Passarinho verde me contou que o personagem Benny foi levepesadamente inspirado no Caio.

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  2. * caio é lindo mesmo
    *2 você e suas pessoas inatingíveis
    *3 pedras são proto-rupestres e me espantam
    *4 como foi o encontro com o podrera hoje?
    *5 fique bem

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  3. águamolempedraduratantobateatéque

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